segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Cecília começa em poucos dias o sexto ano. Começa a experiência de ter vários professores, vários cadernos, livros didáticos, fazer amizades que podem continuar pela vida inteira. Separando materiais escolares, etiquetando cadernos, contando sobre minha estreia no ginásio (que agora se chama fundamental 2), fiquei pensando que, quando os filhos nascem, a gente não tem a menor ideia do que vai acontecer com eles. Quando iniciam o sexto ano, porém, já dá para fazer algumas apostas sobre como serão no futuro. Eu mesma descobri muitas coisas quando passei para a quinta série. Duas delas foram apresentadas por professoras com o mesmo nome. Dona Tereza, de matemática, me ensinou a duras penas que os números não eram meu forte. Por mais que eu me esforçasse, não conseguia gostar da disciplina que meu pai lecionava e fazia tanta questão que aprendêssemos. Para honrar a família, permaneci boa aluna na matéria até o colegial. Mas a voz da Dona Tereza pedindo para “tirarmos o mínimo (múltiplo comum)” ecoa nas minhas mais enfadonhas memórias sobre o fim da infância. Com Dona Terezinha, professora de português, foi o contrário. Aos onze anos, eu já sabia que amava livros. Mas a severa professora de língua portuguesa da escola do Bosque me fez entender que, para contar boas histórias, era preciso muito mais que boas ideias. Era preciso paciência, atenção e perspicácia para ler, reler e melhorar os textos. Além, é claro, de dedicação às aulas em que aprendíamos as regras gramaticais. Dona Terezinha me ensinou também a questionar unanimidades. Afinal, a professora de português da quinta série era odiada por muitos, por sua severidade e rigor na hora de corrigir provas e avaliar os alunos. Não por mim, que vibrava com cada livro novo que ela indicava e a cada anotação que fazia na correção dos meus trabalhos. Nunca mais soube da minha primeira professora de língua portuguesa, mas, desde os tempos de ginásio no Bosque, tenho certeza que fui uma de suas alunas preferidas. Desconfio, até, da legalidade do sorteio do amigo secreto do final daquela quinta série, quando ela me tirou e me presenteou com um lindo porta-joias. Agora é Cecília que está prestes a iniciar a segunda fase do ensino fundamental. Sobre ela, sei que é ávida por conhecimento, afeita a pesquisar assuntos que a interessam e dada a tirar conclusões muito particulares sobre tudo que é conversado na sala de aula. Gosta de artes, ciências, história, língua portuguesa e, como a mãe, tolera matemática e odeia educação física, apesar de ter bons conceitos nas duas disciplinas. Geminiana, considera celular e netbook os equipamentos mais indispensáveis do mundo, apesar de ainda não ter autorização para usar redes sociais. Está ansiosa para ter armário, não precisar mais comer a merenda da escola, receber tarefas por e-mail e trocar de professor a cada uma ou duas horas. Quando sua filha mais velha começa o sexto ano, é inevitável aparecerem novas expectativas. Minha menina, que até então gozava da zona de conforto de estar entre os “mais velhos” do primário, vai voltar a ser “pequena” no fundamental 2, o que traz insegurança e um certo temor. Mas ela se mostra corajosa e motivada a enfrentar as novidades, ao contrário daquela menininha de dois anos que chorava na porta da escola em todos os dias do maternal. Quando nos deparamos com filhos cheios de coragem para superar desafios, nos damos conta de que eles estão realmente crescendo. Isso me faz lembrar que Clarice também vai começar uma nova fase em três dias, quando estreia no primeiro ano do ensino fundamental. Ontem, ela me disse que já sabe “ler as figuras” e que, em breve, vai saber ler as palavras para assistir filmes legendados. Aos cinco anos, ouvir sobre tão ousado objetivo me enche de orgulho e também de melancolia. Afinal, quando todo mundo em casa puder dispensar a sessão dublada no cinema é sinal de que, realmente, essa é uma casa sem bebês...

domingo, 24 de abril de 2011

_ Daí que quando eu era criança, se empanturrar de chocolate significava comer um ovo de páscoa inteiro e no máximo dois ou três coelhos ganhos das avós e tias. Acabava tudo em menos de uma semana. As meninas ganharam juntas DOZE ovos de páscoa, fora os brindes da escola e as caixas de bombons. Alguém me diz o que fazer com isso?

_ Pior que elas tiram aqueles brinquedinhos infames de dentro dos ovos e esquecem o chocolate na geladeira. E os pais passam semanas lembrando de comer um pedacinho toda vez que passam pela cozinha. #dietadasnotasfail

_ E minha mãe, na lotérica, querendo discutir a verdadeira natureza das relações entre Jesus Cristo e Maria Madalena?

_ Na terra do chão quente, a menina de quintal não se adapta ao apartamento dos avós e faz todo tipo de traquinagens. Na sexta, pegou a caneta hidrocor mais fuleira e se pintou como "os índios da aldeia". E dá-lhe bucha vegetal para tirar toda aquela tinta chinesa.

_ No dia seguinte, com as mãos sujas de chocolate, ela carimba toda a parede da sala e vem contar, faceira, que aquelas são as marcas do "coelhinho". E dá-lhe bucha com multiuso para tirar o rastro pascoal.

_ Por fim, derruba suco, chocolate, leite, bacalhau, feijão e um pouco de cada coisa que comeu nas cadeiras de jantar da vovó. E dá-lhe bucha com limpa-carpete para minimizar as manchas.

_ Resumindo, feriado das buchas.

_ E com minha nova prática de assistir House tudo de uma vez, direto no computador, fiquei sem poder avançar na sétima temporada durante os quatro dias fora de casa. Deu síndrome de abstinência.

_ Post "diarinho", eu sei. Mas é que minha vida é mesmo sem graça na maior parte do tempo.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Café sempre esteve entre minhas bebidas preferidas. Pequenininha, contam que, ao contrário das outras crianças da família, trocava o chocolate em pó por café para temperar o leite de todo dia. E não podia ser solúvel ou estar antigo na garrafa. Quantas vezes, antes de dormir, sentei na escada que separava a sala da cozinha, de ''paninho'' e boneca na mão, para fiscalizar meu pai preparando a bebida fresquinha para o leite da minha mamadeira.

Neta de cafeicultor, também lembro da rotina do cafezal nas brincadeiras de infância. Com os primos, a diversão era o esconde-esconde entre as plantas, escolhendo os arbustos mais cheios para desaparecer das vistas do ''pegador''. O nonno, tentando evitar que destruíssemos seu ganha-pão, dizia que ainda íamos pisar em cobra. A ameaça não valia nada. A possibilidade de encontrar o réptil, aliás, só aumentava a adrenalina da brincadeira.

Depois da colheita, a briga para ajudar a mexer o café espalhado no terreiro sempre favorecia os mais novos. Quem ficava por último sentava no murinho e esperava a vez, passando os pés descalços sobre os pequenos montes de grãos. Antes de vender a safra, o nonno separava as sacas que seriam usadas para abastecer a família. Durante toda minha infância e adolescência, o café consumido em casa foi torrado no quintal e moído no porão dos meus avós.

Sábado, antes de comprar gibi na banca do Prioste, a obrigação era moer o café da semana. Meu pai fazia a maior parte do trabalho, mas eu e meu irmão nos revezámos no moedor manual que, substituído por um equipamento elétrico, até hoje enfeita uma das prateleiras do armário da cozinha.

No inverno, os dias mais frios eram também de mobilização. Pai e tio, professores vindos da zona rural, chegavam da escola e iam pro sítio ajudar a proteger o cafezal. Nos anos de safra cheia, a torcida pelas temperaturas mais quentes era intensa. Se chegava a geada, o jeito era cuidar das mudas e esperar que o prejuízo não fosse tão grande.

O tempo passou, deixei minha cidade natal para estudar em Londrina e por aqui fiquei. O café, entretanto, continua fazendo parte dos meus hábitos mais arraigados, seja para acordar de manhã, organizar as ideias no meio do dia ou brindar a presença de alguém querido. Por isso, se eu te convidar para minha casa, você já sabe. Vou te receber na cozinha com um café fresquinho, que será desgustado na mesa com bolo caseiro, enquanto teremos um dedo de prosa.
(Publicada da Folha Rural, da Folha de Londrina, no dia 16/04/2011)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Minha casa é daquelas antigas, de cômodos amplos, azulejos desenhadinhos e piso de taco no chão. O muro da garagem está todo descascado. Precisa de pintura, mas só compensa fazer o serviço se o vizinho arrumar a infiltração do outro lado.
Na parede embaixo da janela da sala, que sempre foi a porta de entrada da gata Chuchu, há várias marcas de patinhas. Na janela ao lado, do quarto das meninas, um expositor de bonés quadriculado, sem os apoios para os acessórios, foi estrategicamente colocado para evitar os pulos da gata na cama da criança que tem asma.
O pé de acerola, gigante, com folhas saindo pelo portão, denuncia a falta de poda. Também próximo à grade, o pé de mamão faz sombra no limoeiro infelizmente destruído pela cachorra Lila. Debaixo dessa árvore, um novo pé de limão começa a nascer, mostrando que o time das frutas cítricas continua no páreo. Por artes dos passarinhos, há um pequeno mamoeiro nascendo em um buraco no cimento do quintal dos fundos, bem ao lado do indescritível quartinho de bagunça.
Dentro de casa, a pia da cozinha, anterior à minha família, nunca foi trocada porque temos causas mais urgentes. Os armários são todos brancos, mas os diferentes puxadores indicam variadas histórias. Tem o paneleiro dos meus tempos de república, a peça que comprei da Mari quando ela se mudou, um modelo de parede feito sob medida para o apartamento da avenida São João... E a mesa, essa sim comprada especificamente para a atual cozinha, que me vi obrigada a providenciar quando dei conta que a família era maior que a mesinha redonda de quatro cadeiras de 1998.
Na sala, o aparador é na verdade um antigo expositor da Garageland. Sobre ele, presentes, fotos, bonequinhos, lembranças de viagens, revistas, um pote cheio de conchas de São Chico. Sofá, estante, uma TV de 20 polegadas, cortinas feitas pela amiga da mãe e uma caixa de ferramentas cheia de jogos e acessórios para Wii dividem espaço com livros abertos largados no chão, desenhos, chinelinhos escondidos nas frestas (que a família inteira procura até alguém lembrar do esconderijo da pequena), copos plásticos abandonados na mesinha de canto, cola, tesoura, gibi... A cada limpeza, os objetos são devolvidos aos lugares. E, a cada minuto depois, retornam magicamente aos espaços de onde foram retirados.
No quarto dos pais, cama e o "home office" da mãe - com mesa e armário - às vezes viram cabides de roupas espalhadas, livros já lidos e não guardados, celulares perdidos, papeizinhos com anotações importantes, "o chapéu mais bonito da Polly que eu nunca mais achei", etc, etc.
No quarto das filhas, a aparente bagunça esconde, na verdade, uma rotina de brincadeiras permeada por momentos de introspecção. O guarda-roupas de bebê entulhado de brinquedos, que incomoda absurdamente os adultos, não consegue ser substituído. Ninguém na casa idealizou, ainda, um móvel mais funcional para acomodar no mesmo lugar objetos tão diversos como bolas, bolsas cheias de barbies, patins, saco de fantasias, roupas de bonecas, posto de gasolina, carrinhos, ursinhos, bonequinhos e todo tipo de inhos da misteriosa vida das meninas.
Você pode achar que minha casa é uma bagunça. Que somos desorganizados ou até mesmo relaxados. Que não cuidamos do local onde moramos. Não é nada disso. Minha casa, como muitas que conheço, é orgânica. Tem um jeito próprio de funcionar, impossível de ser posto em prática nas casas dos anúncios de mobília. Tem móveis velhos, coisas foras do lugar, louça suja na pia, toalha molhada no banheiro, roupa no cesto sem lavar. Mas é também uma casa que tem vida...

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Eu ia postar a história apenas no bloguinho privado. Diante da relevância do assunto, porém, reproduzi aqui a conversinha que rolou dia desses na hora do jantar. Ceci comentava sobre as preferências políticas dos amigos do colégio:
_A G. "vota" na Dilma, a J. "vota" no Serra, a mãe do P. não sabe se vai votar no Beto ou no Osmar...
Até que Clarice, até então ouvindo a conversa da irmã, interrompe:
_Mamãe, na minha escola é a galinha que VOTA ovo, viu???

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ontem, mais uma vez, chorei no trabalho. Às sete da noite, em Apucarana, quando a delegada do Sicride chegou ao hospital com o pequeno Nicholas nos braços, para entregá-lo de volta à família. O bebê, com apenas um dia de vida, foi sequestrado da maternidade por uma mulher que se passou por falsa enfermeira (reportagem completa aqui). Foram quase 24 horas de investigações, mas a polícia fez um bom trabalho e Nicholas, nascido com 3,8 quilos, 50 centímetros, de parto normal, terminou o dia mamando placidamente na mãe.
Às sete da noite, em frente ao hospital, por alguns momentos deixei as lágrimas rolarem. Por alguns momentos, me esqueci que precisávamos da melhor imagem, da melhor entrevista, do melhor jeito de contar uma história que - ufa! - teve final feliz. De olhos marejados, abaixei a caneta e o bloco para agradecer pelo renascimento de uma família.
Não me passou pela cabeça insistir, diante da sensata negativa das autoridades, para estar no quarto no momento do reencontro entre mãe e filho. Assim como não costumo fazer perguntas piegas para arrancar lágrimas e expressões comovidas dos entrevistados. Em frente ao hospital, sequer me senti no direito de querer participar de tal momento. E até me constrangi pela insistência coletiva. A impressão, sempre, é que as pessoas esquecem a vida existente por trás das histórias.
No final, a gente conseguiu a imagem, as entrevistas, a reportagem. Sem apelação, sem invasão, sem intromissão. Com ética e respeito, como deve ser.
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Em casa, depois de 18 horas de ausência, o drama era outro. Clari, quase sempre resistente a doenças infantis, foi derrubada por uma "virose" que trouxe vômito, diarreia, febre e uma desidratação. Longe dos meus olhos - e diante da falta de cuidados de um pediatra que me pareceu negligente -, minha pequena definhou e, hoje, terminou a manhã na sala de observação do hospital.
Enquanto eu estava longe de casa, a avó e o pai acharam que ela estava bem e o médico - sem reexaminá-la - garantiu que era apenas a segunda fase de um quadro viral. Eu, de noite, encontrei-a dormindo. Mas, de manhã, quando vi minha filha prostrada, sem fome, sem vontade de brincar, soube que a situação não era boa. No pronto socorro, o diagnóstico confirmou o que o instinto materno já tinha detectado. Além da desidratação, uma infecção. Ela foi hidratada, medicada e agora repousa ao meu lado, "lendo" pela milésima vez o adorado livro da Branca de Neve.
Satisfeita por ter chegado a tempo de socorrer Clarice, não posso deixar de pensar que, ainda bem, Nicholas também vai ter os cuidados da mãe a cada gripe, dor de garganta, joelho ralado ou misteriosa virose. Depois de um contrubado primeiro dia de vida, esse garotinho merece colo, afagos, carinho e o leite quentinho da mamãe. Que todos eles - mãe, pai, avó, tios e crianças - sejam muito felizes.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Clarice fez três anos. Pouco tempo perto de toda a história da humanidade, mas uma eternidade para mim que, de uma hora pra outra, tive que realmente aprender a lidar com a diversidade dos seres humanos. Porque ser mãe da Cecília sempre foi natural. Como eu, minha primogênita é mais introspectiva que extrovertida, troca facilmente os esportes pela literatura, perde tempo com filosofias baratas e cultiva uma certa letargia inerente às pessoas que pensam demais. Além de tudo, é canhota como a mãe, o que me facilitou horrores nos ensinamentos para a auto-suficiência nos primeiros anos de vida.
Clarice é diferente. Mais intuitiva que reflexiva, anda correndo, alheia a obstáculos como quinas de mesa ou brinquedos no chão. Exploradora, estreeou em casa a mania de puxar um banquinho para alcançar coisas no alto e, independente, conquistou o direito de fazê-lo para lavar as mãos sozinha, acender a luz ou pegar brinquedos e livros na prateleira mais alta. Foi por ela que, mãe de segunda viagem e depois dos 30, aprendi a ficar ligada em movimentos bruscos, silêncios prolongados e locais propícios a escapulidas. Também aprendi a argumentar de forma menos racional, pautada pela intuição, mesmo que isso às vezes culmine em conversas sem sentido com uma pequena de três anos. Porque Clarice, ao contrário da irmã, demora a perceber que causas têm consequências. Impulsiva e aventureira, sempre paga para ver, o que me deixa com cólicas ao imaginar que, no futuro, ela possa gostar de coisas do tipo saltar de paraquedas.
Clarice sempre tem solução para tudo e, quase sem pensar, coloca as ideias em prática sem ter certeza de que vai dar certo. Intuitiva, quase sempre consegue. Natália, a amiga imaginária, leva culpa por traquinagens nunca antes realizadas por Ana Pietra, a sensata amiga imaginária dos três anos de Ceci.
Por tudo isso, criar e educar Clarice tem sido o maior desafio da minha vida. Para entender a lógica dela, tenho que desconstruir toda a minha própria lógica, o que demanda me colocar no lugar de uma menina de três anos. Até nas tarefas básicas do dia a dia, "apanho" ao tentar usar a mão esquerda para ensiná-la a realizar tarefas do jeito destro.
É cansativo, mas compensador. Com Clarice, além de viver toda a alegria de ser mãe de uma menininha meiga, esperta e carinhosa, ainda tenho a oportunidade de absorver, diariamente, o jeito de ser das pessoas muito diferentes de mim, o que não tem preço.